Os recomeços e o estado de contínua aprendizagem – por Fernanda Tavares

jul 30, 2024 | Teodolito

“Eu preciso viver pelo menos mais uns dez anos porque ainda tem muita coisa sobre ponto cruz que preciso aprender.”

Foi essa frase espontânea que ouvi recentemente da minha mãe, uma senhora de quase oitenta anos que tem o hábito de desmanchar e refazer alguns dos seus bordados. Ora ela vê um fio solto, ora se incomoda com o avesso “não perfeito”, ora muda de ideia sobre a cor a utilizar ou quer reposicionar o desenho no território-tecido.

De vez em quando faz alguma aula presencial e desde a pandemia aprendeu a pesquisar e salvar imagens no Pinterest e acompanhar algumas aulas gravadas em vídeo no Youtube, que ela vai colocando em pausa ou “rebobinando” até que possa reproduzir com as mãos.

Fico pensando que manter-se vivo (vivo vivo e não morto vivo) e colocar-se em estado de contínua aprendizagem são quase sinônimos.

Recentemente assisti um seriado argentino chamado “O Faz Nada”. Há muitas camadas sobre as quais se pode falar, inclusive algumas que explicitam desigualdades doídas entre pessoas de diferentes condições econômicas e socio-culturais. O que me arrebatou e me marcou para além das risadas garantidas foi acompanhar como, em pouco numerosos e curtos episódios, o bon-vivant que é o personagem principal se move de um estado quase letárgico e rígido a uma vivacidade contagiante que permite pensar, dizer e experimentar o novo. A partir de uma perda importante que poderia levá-lo para o buraco, ele acaba sendo resgatado por uma nova relação que o com-vida a voltar a saborear a existência. 

A minha mãe não conhece a história de Manuel, nem de Penélope e nem sabe quem é a Julia Panadés, artista mineira multi-talentosa. A Julia conhece a Penélope, talvez tenha assistido “O Faz nada” ou talvez não, definitivamente não conhece minha mãe. Ela escreveu um micro-poema que eu acredito seja sobre Penélope, mas poderia ser sobre Loudes ou sobre Manuel . “Ela desfazia o que tecia como oferta ao recomeço.”

Espero que minha mãe tenha muitissimos anos pela frente pra seguir recomeçando e me ensinando a recomeçar.

Fernanda Tavares (Diretora de RH na BD)

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