Há 5 anos, por volta de 2014, aconteceu um verdadeiro boom do coaching no Brasil, desde os programas de coaching on-line às formações de fins de semana com salas com centenas de alunos almejando se profissionalizar como coaches, muitos com o desejo de “finalmente viverem seu propósito de ajudar pessoas”. Desde esse boom, multiplicaram-se os cursos de coaching no formato de linhas de produção, o que contribuiu com sua massificação e também com sua banalização.
Depois da polêmica do coaching na novela do horário nobre (em 2018), em que a metodologia foi apresentada de forma equivocada, sendo usada para tratar questões que estão além das competências atribuídas a um coach, extrapolando os limites de sua atuação, este ano emerge uma nova polêmica. Na cena que fez emergir a polêmica ano passado, era sugerida uma sessão de coaching com hipnose para atender uma personagem com um trauma relacionado à abuso sexual – o que não está no escopo da metodologia do coaching e gerou, na ocasião, uma nota de repúdio/questionamento do Conselho de Psicologia sobre a prática de coaching. Desta vez, um projeto de lei somando 20 mil votos de apoio propõe a criminalização do coach e segue para Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. A sugestão foi feita no portal e-Cidadania em abril com o objetivo de impedir “o charlatanismo de muitos autointitulados formados sem diploma válido. Não permitindo propagandas enganosas como: ‘Reprogramação do DNA’ e ‘Cura Quântica’. Desrespeitando o trabalho científico e metódico de terapeutas e outros profissionais das mais variadas áreas”.
Por adotar as bases teóricas da Psicologia, da Neurociência, da Linguística, da Sociologia, dos Estudos de Comunicação e Esportes na fundação de suas estruturas, o coaching é uma metodologia cujas fronteiras podem ser difíceis de definir, gerando confusão entre leigos e profissionais da área. É preciso distinguir cada vez mais o que não é coaching: não é psicoterapia, não é hipnose, não é programação neurolinguística, não é autoajuda… Muitos coaches têm realizado um “sincretismo” na prática do coaching com outras terapias holísticas, mais ou menos como acontece nas religiões brasileiras, a fim de “ajudar a resolver o problema dos coachees”. Essa mistura acontece muito mais nas práticas de coaching para pessoas do que para empresas. Em empresas, o coaching de líderes, executivos e equipes parecem seguir a prática de educação corporativa e ativação da inteligência e segue pouco afetado pela polêmica que mencionamos acima.
Assim, surgem questionamentos sobre o que é ser bom ou mau coach. “Apenas os coaches qualificados por órgãos internacionais são bons?”, “somente determinados temas é que servem para coach?”, “ser bom coach é uma questão de tempo de estudo?”, “quais valores e regras regem a prática ética do coaching?”. A falta de regulamentação da profissão leva a esses questionamentos. Acreditamos numa prática desenvolvida a partir de estudos teóricos das áreas da Filosofia, Comunicação, Psicologia, Sociologia…, enfim teorias que refletem sobre o ser humano e a linguagem. A partir desse estudo, da experimentação em si e da prática supervisionada da metodologia do coaching, é possível estabelecer uma ética do coaching. Não são os temas em si que delimitam a prática, mas o “como” eles são abordados. Por exemplo: num atendimento psicoterápico, a pessoa pode levar questões para tratar e curar traumas. Tanto é que seu papel é de paciente, pois a abordagem é clínica. Já a abordagem do coaching é de aprendizagem e expansão de como a pessoa se percebe e o que deseja fazer a partir da ampliação dessa percepção. Por exemplo, ela pode até trazer a questão de um trauma, mas o coach vai conduzir essa questão para o “para onde” ela quer levar isso, o que ela quer fazer a partir disso, nunca vai investigar porque isso aconteceu e o que isso reverberou em comportamentos em sua vida. Por isso, é tão importante que a formação em coaching realmente proponha um processo formativo de aprendizagem, não um final de semana com ferramentas para aplicar sem ou com pouco discernimento.
Não somente neste momento, mas como fazemos ao longo de 10 anos de atuação, nós do Appana Território de Aprendizagem queremos sair do debate maniqueísta entre bons e maus, pois acreditamos que é relevante nos posicionarmos em prol do coaching no Brasil de forma ética.
Quando falamos sobre ética, partimos do pressuposto de que o discurso deve se expressar na prática, ou seja, que aquilo que definimos como coaching seja vivenciado em nosso fazer profissional e ensinado em nossas formações. Falamos em ética, pois observamos que muitos dos que, com suas práticas levianas, contribuíram para a atual banalização do coaching também estruturam discursos defendendo sua seriedade.
Para nós, defender o coaching é sobretudo cuidar da integridade e ética dos processos de formação de coaches, entregando um conteúdo consistente, profundo, de maneira sériae e respeitosa aos nossos clientes e alunos. Acreditamos que não são dados estatísticos sobre a quantidade de turmas lotadas que conferem seriedade à prática do coaching, mas sim a seriedade de como se faz o que se faz e do que se entrega ao público.
Este é nosso manifesto: nossa expressão é nossa prática! É isso que chamamos de coerência.