O trabalho e seus ambientes são territórios interacionais, porém nem toda interação é diálogo. Dialogar (de origem grega, dia = por meio de e logos = palavra) significa conversar, que, por sua vez, carrega a bagagem etimológica de conversatio (latim), que significa encontrar-se com frequência, conviver. Então, quando falamos de diálogo nos ambientes de trabalho, precisamos refletir sobre o modo como estamos convivendo e nos relacionando nesse contexto.
Não é à toa que recentemente ganharam destaque em ambientes corporativos alguns conceitos e práticas para facilitar diálogos, por exemplo, escuta ativa, comunicação não violenta, democracia profunda, técnicas de negociação e mediação, entre outras. Pois apesar de uma quantidade grande de informações circulando por estes ambientes, vivemos uma carência de diálogos e reflexões sobre os sentidos da atividade laboral realizada.
Diante da atual profusão de metodologias que visam facilitar as habilidades conversacionais, é importante refletir sobre qual o conteúdo e a forma que temos adotado para interagir com o outro através das palavras. Começamos por duas habilidades que contribuem para a manifestação do conteúdo e da forma do diálogo: escuta e fala.
Essas habilidades são essencialmente humanas e podem ser aprimoradas no campo profissional a partir de uma postura consciente e responsável pelo que se comunica. Assumir uma atitude clichê que é responsável apenas pelo que diz, mas não pela escuta do outro absolutamente limita o potencial do diálogo. Dizer “sou responsável apenas por aquilo que digo, não pelo modo como o outro interpreta” não coloca o indivíduo no campo de construção do diálogo, mas no da competição, de imposição de ideias.
Quando buscamos apenas ter razão e validar a nossa verdade, nosso “diálogo” fica restrito a buscar o viés de confirmação na fala e na escuta do outro, isto é, limita nossa escuta a esperar que o outro diga apenas o que queremos ouvir. É assim que o ambiente de trabalho conserva uma cultura de conflito que abafa ou exclui divergências, diferenças, vozes e emoções dissonantes. Grande parte das “falhas de comunicação” e “problemas de clima” que observamos nas organizações surgem da falta de diálogo, do conversar genuinamente interessado no outro e da troca de palavras que afete as pessoas e abra espaço tanto para divergir quanto para convergir.
Responsabilizar-se pela fala e pela escuta é encontrar uma forma de expressão assertiva e que facilite o entendimento do conteúdo pelo outro. Por exemplo, com falas interessadas que chequem o que o outro está sentindo e pensando, facilitando o diálogo e dando voz aos conflitos. Em ambientes de trabalho, é comum conflitos velados, abafados por falta de tempo para lidar com eles, tornarem-se campos de violência, de conversas passivo-agressivas, de inimização de colaboradores e líderes – elementos que acabam incorporando a cultura da empresa.
Se queremos criar dinâmicas relacionais mais saudáveis e produtivas nas organizações, é indispensável que cada profissional desenvolva a capacidade de escutar com abertura e interesse e de falar com responsabilidade pelo entendimento do outro. No nível do grupo, é fundamental repensar processos, acordos e formas que possam promover a cultura do diálogo. É preciso repensar a relação que as empresas têm com o tempo e a forma que se dá a práticas como brainstorming, digressão, conversa livre, reuniões, que são espaços geralmente rotulados como improdutivos, porém que criam convergências e divergências importantes para que conflitos comecem a deixar de ser arenas bélicas e passem a se tornar espaço de relação para exercer a potencialidade criativa, a flexibilidade cognitiva e a ampliação de perspectiva.
Ambientes de trabalhos mais humanizados e salutares só deixarão de ser ideais quando encararmos o desafio de conviver e da colaboração fora da teoria em vez de continuar no lugar conhecido e confortável de ter razão e da competição. E esse desafio só pode ser vivido se efetivamente praticarmos o conversar.
Referências bibliográficas:
MATURANA, H. Humberto Maturana: como vivimos compitiendo, siempre estamos negando a los demás. Entrevista realizada em 25 ago. 2014. Trad. Conexão Sistêmica por Fernanda Elmor. <http://filosobio.blogspot.com/2015/09/biologia-e-filosofia-amor-autopoiese.html> Acesso em 12/7/19.
______. Ontologia do conversar. Maturana, H.; Magro, C.; Graciano, M.; Vaz, N. (Orgs.) A ontologia da realidade. 2. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2014. p. 199-217.
Káritas Ribas
Pesquisadora em Complexidade, Mestre em Biologia-Cultural, Filósofa, Psicanalista e Coach com Formação Ontológica – PCC pelo ICF. Sócia-fundadora do Appana Território de Aprendizagem.
Paulo Henrique Corniani
É sociólogo, pós-graduado em dinâmica dos grupos e coach ontológico. Sócio do Appana Território de Aprendizagem. Um homem latino americano buscando entender as coisas.