A Facilitação de processos grupais é um tipo de atividade que exige qualificação específica, um ofício que deve ter como foco a coletividade, mas sem deixar de dar a devida importância para as individualidades. Atualmente é nominado como facilitação qualquer tipo de trabalho com grupos: animação, aplicação de atividades pré-formatadas (que erroneamente chamam de “Dinâmicas de Grupos”), aplicação de roteiros conversacionais, e qualquer tipo de relação de um agente que se coloque à frente de um agrupamento de pessoas e proponha algum tipo de movimento. A banalização deste ofício se dá, muitas vezes, pelo aspecto generalista que a expressão “facilitação” convoca. Então nos cabe a pergunta:
O que é facilitação?
Sim! Facilitação pode ser tudo que descrevi acima, porém esta é a questão, “pode ser”. Pois a aplicação de uma técnica ou método específico em si não significa facilitação e sim aplicação de algo. Cabe-nos uma segunda pergunta:
A facilitação, facilita o que?
Facilita o processo do grupo baseando-se no que acontece no aqui-agora e colocando em contexto, ou seja, quando a facilitação aplica uma atividade e a partir dessa atividade o grupo gera uma dinâmica grupal, é exatamente neste ponto que o ato de facilitar se aplica em sua forma mais potente. Pois é nesse movimento que a facilitação poderá ler o grupo e intervir para que o grupo caminhe para seu desenvolvimento, seja ele qual for, desde atingir uma meta corporativa determinada, ou trabalhar o relacionamento entre os membros de uma família. Aprender a facilitar é uma prática de treino dos sentidos, que só pode ser desenvolvida empiricamente por meio de laboratórios de aprendizagens. Estes são, sinteticamente, vivências grupais em que se experiencia uma atividade e em seguida se realiza a metanálise do que foi vivido – isso com a supervisão de facilitadores mais experientes, que, com a visão externa, pode indicar os pontos cegos aos que estão imersos no processo.
Até aqui, estou tentando chamar a atenção que há uma certa distinção entre facilitação e técnicas para a facilitação, que o domínio de técnicas não garante que a facilitação será realizada com excelência, pois ela é um ofício que requer muito treino, porém não um tipo de treino de repetições de ações guiadas, mas sim em observação de ações novas, que podem até se repetir de grupos para grupos, mas nunca se repetem de forma igual e linear. Meu intuito não é de maneira nenhuma diminuir a técnica em relação à arte da facilitação, muito pelo contrário, entendo a distinção como um destaque da interdependência entre o domínio da técnica e o trabalho com as dinâmicas grupais que determinadas técnicas provocam. Pode-se aplicar uma técnica muito adequada para trabalhar emocionalidades com um grupo, porém quando estas emoções se expressarem no campo grupal, isso acontecerá de maneira específica, de acordo com a dinâmica do grupo gerador, e essa especificidade será o limite da técnica, que precisará de sentidos atentos da facilitação para dar a contenção ao grupo, ou seja, facilitar o que acontece.
Existem muitas técnicas que podem ser aplicadas para facilitar um processo grupal, e assim como o ofício da facilitação pode ser banalizado, as técnicas utilizadas para tal atividade também podem se generalizar de tal maneira que perdem sua potência e caem em descrédito, ou pior, são utilizadas equivocadamente como técnica ou pura e simplesmente como terminologia usada para qualquer coisa. Isso é o que vem acontecendo com o termo coaching, tanto no que diz respeito em seu uso nos atendimentos individuais, quanto no uso com grupos.
Coaching e facilitação de grupos
Ultimamente a palavra coaching vem sendo empregada para as mais diversas interações entre pessoas, é comum ouvir pessoas pedindo um coaching para outras pessoas, quando na verdade querem apenas um conselho. No trabalho com grupos não é muito diferente, um aplicador de atividades (as famosas e errôneas “dinâmicas de grupos”) conduz o grupo com uma atividade que tem como foco o despertar da cooperação entre os membros, e logo após, faz uma explanação sobre o que significa cooperar e a importância para o trabalho e, por fim, declara tal condução como coaching de grupo.
Mais uma vez saliento que não tenho como objetivo dizer qual é a forma mais eficiente e eficaz de trabalhar com grupos, porém é importante respeitar os contornos e os limites das formas de atuação, pois sim, há limites! Não no sentido de limitação quanto ao uso das técnicas, pois é possível e recomendável que as pessoas que facilitam processos grupais tenham domínio de diversas técnicas, para disponibilizá-las nas adversidades grupais que entenderem cabíveis, mas no sentido de respeitar os limites da própria técnica. Por exemplo, não é coerente dar um discurso professoral para um grupo sobre cooperação e dizer que está fazendo coaching com o grupo. Essa distinção entre técnica para facilitação e facilitação a partir das dinâmicas grupais é sutil e pode nos ser útil também como reflexão para olharmos para outro ponto, pouco explorado, a responsabilidade do profissional que trabalha com grupos e especificamente para o profissional que busca realizar coaching de grupos.
Assim como o atendimento individual (é impossível não realizar a comparação), o coaching de grupos visa o atingimento de um objetivo ou meta, porém a especificidade do caso grupal é que este objetivo ou meta deve ser equalizado no entendimento e nos sentidos atribuídos pelos diferentes membros. Esta causa comum, muitas vezes (na maioria delas), não é dada e precisa ser trabalhada em grupo pelo coach durante o processo, ou seja, antes de atingir e/ou alcançar algo, é preciso alinhar entre os indivíduos envolvidos de forma grupal, e esse é um dos maiores desafios do coach que trabalha com grupos. Esse desafio é um ponto nevrálgico de um processo que visa atingir algo de forma consistente e sustentável. E por que digo que a distinção explanada há pouco é útil para olharmos a responsabilidade do coach de grupos? Justamente pelo motivo de se colocar a serviço do grupo, ou melhor, colocar a técnica a serviço do grupo, isso é a forma de facilitar um processo de forma responsável, é onde a interdependência mencionada anteriormente se faz presente.
Muitas vezes, facilitadores coaches colocam o grupo a serviço de uma meta e isso é uma irresponsabilidade para/com o grupo e para/com a meta, pois ocorrerá inevitavelmente uma inconsistência na eficácia do que se atinge. Atingir uma meta grupalmente sem que esta esteja alinhada entre seus membros é um equívoco de percurso, pois não se sustentará no tempo e muito provavelmente gerará ruídos que aparecerão nas relações e na qualidade das entregas consequentes da meta primária. As afirmações acima podem soar ingênuas e irreais, pois sabemos que muitos dos trabalhos que coaches de grupos realizam hoje são pautados por interesses corporativos, que chegam de cima para baixo aos grupos para serem executados. Realmente, em sua maioria, chegam dessa forma! E não vejo problema nisso. Ou melhor, não vejo problema se essa meta/objetivo for tratada no grupo como diretriz e não como construção coletiva. Pois se este ponto for transparente com o grupo, é muito mais viável que o coletivo, com a atuação do coach, consiga achar brechas para a criação de novos sentidos dentro do sentido já dado. Se, por um lado, a transparência mostra os limites de alcance do trabalho a ser realizado, por outro, abre um campo de possibilidade reais a serem exploradas e as diferentes narrativas podem se realizar em ações reais convergentes. A questão é que muitas vezes as diretrizes chegam disfarçadas de possibilidades, elas chegam rígidas, sem possibilidades de mudanças, porém isso pode não ser transparente para o coach, que por consequência não fará transparente ao grupo, que poderá resistir das formas mais inusitadas possíveis até que o coach perceba o que está acontecendo, e caso não perceba, o grupo muito provavelmente entrará no modo: “fingimos que está tudo bem, você (coach) acredita que está tudo bem e assim entregamos a tarefa que nos pediram”. Isso nos chama a atenção para a responsabilidade do coach nas várias esferas de seu trabalho, para que desde o briefing do contratante se estabeleçam critérios, parâmetros e limites do trabalho com grupos.
É claro que os trabalhos de construções coletivas, no seu sentido autêntico, também são contratados e da mesma forma o coach precisa estar atento às armadilhas do processo de facilitação grupal, pois, no caso do trabalho em cima de diretrizes, há uma limitação para a criação. Na possibilidade de construção, o grupo precisa de parâmetros mínimos que devem ser pré-definidos, pois nos processos de construção coletiva também existem limitadores que devem estar transparentes, caso contrário há um risco eminente de o grupo entrar em paralisia criativa, ou seja, não enxergar as possibilidades existentes, pois os parâmetros e a questões a serem trabalhadas não estão visíveis. Cabe ao facilitador coach oferecer ao grupo a visão de quais cartas estão na mesa e, ao mesmo tempo, ter uma escuta sensível para captar o que o grupo lhe oferece como visão coletiva, assim conseguirá complementar suas intencionalidades e convergir com os múltiplos objetivos, as metas e as ações reais para que o grupo alcance sua finalidade de formação, para que o processo seja rico em aprendizados e desenvolvimentos individuais e coletivos. Coach-facilitador, se puder sintetizar minha explanação em uma frase, o coração da minha argumentação para você é: Sua responsabilidade é estar a serviço do grupo!
por Paulo Henrique Corniani
É sociólogo, pós-graduado em dinâmica dos grupos e coach ontológico. Sócio do Appana Território de Aprendizagem. Um homem latino americano buscando entender as coisas.
Artigo originalmente publicado na Revista Coaching Brasil, ed. 58, março/2018.