Muitos são os desafios quando nos propomos a pensar sobre o que significa aprender e como gerar aprendizagens relevantes. De início, há uma questão importante que não pode ser esquecida: a multiplicidade de significados que a palavra aprendizagem suscita. Nessa polissemia, forma-se um rio espesso de difícil navegação.
Tradicionalmente, entende-se que a aprendizagem é o consequente lógico do ensino, ou seja, aprende-se somente quando se é “exposto” ao ensino, que passou a ser visto como a transmissão de conteúdos e de informações organizadas em disciplinas com objetivos claros e resultados concretos. Historicamente, houve uma supervalorização da informação, tida como o bem de maior valor na transição da Sociedade Industrial para a Sociedade Pós-Industrial – não à toa, chama-se as disciplinas de “matérias”, pois elas foram vistas como a matéria-prima do conhecimento.
Fruto de tais pressupostos, o ensino tradicional costuma ter um conteúdo pré-programado, isto é, aquilo que precisa ser ensinado independentemente de quem aprende, então, o currículo independe dos aprendizes. Nessa lógica, portanto, encara-se o ensino como um produto e a aprendizagem como seu resultado.
É importante ressaltar, também, que existe sempre a dimensão do poder no ensino tradicional, pois haverá sempre quem dite as regras e os conteúdos necessários para a aprendizagem e a relação mestre-discípulo é, sem dúvida, uma relação de “poder sobre” outros indivíduos. Dessa forma, a pergunta sobre a serviço de quem está o conteúdo do ensino faz-se cada dia mais necessária e, na maioria das vezes, faz aparecer os mecanismos de dominação e de assujeitamento ocultos nos sistemas educacionais.
Fica claro, portanto, que a disseminação da visão tradicional de educação tem gerado sofrimento por desconsiderar que a aprendizagem é um processo mais abrangente do que a transmissão de conteúdos e informações pré-estabelecidos e de capacitação de indivíduos para um fazer fabril. Ela desconsidera também o fluir emocional, os interesses e o desejo dos aprendizes e pouco valoriza o contexto do qual parte o processo de aprendizagem.
Consideramos que aprender é um processo natural e inerente aos seres vivos, dessa forma estamos buscando novos modelos de aprendizagem que sejam saudáveis e que encarem a aprendizagem como condição humana, ou seja, o ser humano como capaz de aprender o tempo todo, seja com as relações, com a natureza, com outros seres vivos e não vivos e apesar do ensino.
Nossa visão, fortemente ancorada em autores como Humberto Maturana, Francisco Varela, Carl Rogers, Ivan Illich e muitos dos teóricos da complexidade, faz uma clara distinção entre aprender e adquirir conhecimento, apreender o mundo – introjetar o mundo dentro de você – ou receber instrução.
Encaramos os processos de aprendizagem como processos transformacionais que fazem com que os seres vivos mudem com o mundo – e não a partir do mundo. Aprender é mudar com, aprender é transformar-se. No entanto, esse deslocamento enseja inúmeras mudanças no que hoje chamamos de educação.
Entendemos que conhecer, fazer e viver são movimentos de um mesmo domínio, o domínio da existência, da vida, e que são inseparáveis. Um ser humano quando nasce não encontra um mundo pronto e acabado à sua espera, ele participa da construção desse mundo no fluxo de seu viver. Por sua vez, a aprendizagem é o processo de devir-humano que faz com que humano e mundo se adaptem de forma contínua e ininterrupta sem que percam a coerência ou a sua identidade. Maturana expressa de forma brilhante essa proposta quando diz: “viver é conhecer, conhecer é viver”.
E é com base nesses pressupostos que afirmamos que a experiência pessoal é condição do aprendizado. Aqui, entendemos como experiência a vivência corporal-cognitiva-emocional integrada. Aprendemos com o corpo em sua totalidade e em suas múltiplas dimensões: sensoriais, emocionais, cognitivas, sensitivas (ou empáticas), relacionais, intuitivas, etc.
Aquele que aprende emerge juntamente com seu aprendizado. Com isto, sujeito do conhecimento e o próprio conhecimento passam a ser inseparáveis e podemos substituir o conceito de sujeito epistêmico pelo de sujeito ontológico, que “vive, porque conhece, e conhece, porque vive”.
Essa visão nos provoca a criar ambientes de aprendizagem e métodos coerentes com essa interpretação e que colaborem para intensificar as experiências que promovam aprendizagens desejadas pelos aprendizes.
Temos a oportunidade de romper com o modelo mestre-discípulo como a única forma possível de ensino, que produziria o aprendizado de fora para dentro. Essa ruptura abre um espectro imenso de possibilidades para se pensar espaços e métodos que apoiem as pessoas em seu desenvolvimento, que respeitem as singularidades e preferências do aprendiz, além de colocar o cuidado com a emocionalidade no centro, como intensificadora e mobilizadora das práticas que promovam experiências.
Um modelo que temos percebido ser sincrônico com essa visão do humano como ser que conhece é o da aprendizagem pela ação (ou action learning). Esta técnica é composta por seis elementos fundamentais: o grupo, as perguntas, a ação, a aprendizagem, o treinador e o problema. Ou seja, ela tem como foco e intenção encontrar soluções para problemas complexos e promover ações que deem conta do problema, ao mesmo tempo que potencializa o grupo em sua interação e aprendizado conjunto.
Com isso, esse método traz a possibilidade de desenvolver a aprendizagem de maneira ativa, concentrada, cumulativa e diversificada, por meio das relações e da ação/experimentação, pois o grupo é convidado a, no processo, realizar uma tarefa visando o aprendizado contínuo sobre este fazer. Surge, portanto, a meta-análise da interação como fonte de aprendizado: o grupo agindo e aprendendo sobre seu próprio agir. A interdependência entre o conhecer e o fazer é reconhecida, e a proposta é que a integração ação-aprendizado seja valorizada, ampliando a compreensão de problemas que, na visão dos aprendizes, necessitam de soluções relevantes e complexas.
Então, o aprendizado se dá a partir – e na medida em que – há um ou mais interessados na resolução de um problema, isto é, leva-se em conta o interesse, o desejo e a emocionalidade dos que desejam aprender.
Tendo a liberdade como fundamento da aprendizagem, a autonomia na escolha das questões que serão abordadas pelo método é uma das chaves de alavancagem para o surgimento de soluções criativas e inovadoras, que transitam entre o individual e o coletivo, entre o local e global, entre o que achamos que nos é próprio e a possibilidade de livre uso do que nos é comum.
Nesse método, composto por etapas processuais, o grupo de apoio e de aprendizagem é um elemento altamente relevante. É no grupo, que suporta, questiona e inspira, que o “dono do problema” se apoia para compreender sua questão com maior amplitude. O grupo promove o que podemos chamar de alterdidatismo, ou seja, a aprendizagem na relação com um outro, que é diferente de mim, pensa diferente e oferece seus pontos de vista.
Não há conteúdos obrigatórios e impostos aos aprendizes, visto que o grupo também se torna aprendiz no processo e a busca por soluções são compartilhadas colaborativamente. Criam-se, assim, territórios de pensamento, experimentações e ações, onde é possível exercitar livremente as propostas geradas pelo coletivo e promover a reflexão sobre as ações e resultados: aprendizagem e ação não ficam dissociadas.
Vemos inúmeras utilidades na aprendizagem pela ação, que vão desde a possibilidade de compartilhar questões práticas do cotidiano e mobilizar pessoas para gerar novas alternativas de resolução até solucionar problemas na escala individual de forma criativa e compartilhada pela escala coletiva.
Ao realizar intervenções locais com visões globais – por meio da ação e da visão do grupo – e remodelar soluções globais com demandas locais, percebemos a desobstrução de caminhos para a ação pessoal e um ganho expressivo na possibilidade de repensar alternativas por meio da ação comum.
É o aprendizado da ação, para a ação e por meio da ação.
Referências Bibliográficas:
FRANCO, A. D. Capital Social. Brasília: Instituto de Política Millennium, 2001.
MARQUARDT, M. J. O Poder da Aprendizagem Pela Ação: Como Solucionar Problemas e Desenvolver Líderes em Tempo Real. Rio de Janeiro: Senac, 2005. 216p.
MATURANA, H. R. A Ontologia da Realidade. 3ª reimp. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
PELLANDA, N. M. C. Maturana e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
Káritas Ribas
Pesquisadora em Complexidade, Mestre em Biologia-Cultural, Filósofa, Psicanalista e Coach com Formação Ontológica – PCC pelo ICF. Fundadora do Appana Território de Aprendizagem.
Artigo originalmente publicado na Edição 70, de março 2019, da Revista Coaching Brasil