Costuma-se pensar, nos meios organizacionais, que toda vez que se utiliza uma determinada palavra ou expressão no cotidiano do trabalho, que a mesma imediatamente será compreendida, isto é, acredita-se que terá o mesmo significado e fará sentido para todos aqueles que compartilham da mesma cultura, idioma e que fazem parte da mesma comunidade biolinguística.
Infelizmente, nem sempre é assim. Os constantes desentendimentos, a competição que pressupõe o fracasso do outro, as desqualificações verbais, a dominação que subjuga, o não reconhecimento e os jogos de poder muitas vezes nos mostram um mundo árido de convivência e de compartilhamento de sentido.
Portanto, antes de falarmos dos benefícios de uma Cultura de Coaching, gostaríamos de fazer a distinção do que falamos quando falamos sobre cultura. Certamente existem inúmeras definições para essa palavra e, por isso, dizer a partir de onde dizemos o que dizemos fará toda a diferença para a construção de um território comunicativo comum entre nós que escrevemos e vocês que nos lêem.
Partiremos de Humberto Maturana, que afirma que uma cultura é uma “rede fechada de conversações”. E o que isso significa? Significa que em cada espaço que convivemos – seja familiar, organizacional, educacional ou social – fluímos em um tipo de conversação que gera determinadas emocionalidades. Exemplificando: você com certeza identificará facilmente o tipo de conversação e as emocionalidades presentes em um encontro de velhos amigos em um happy hour, não é? Esse tipo de conversação e as emocionalidades são as mesmas presentes na reunião mensal da equipe da sua empresa? Ou as mesmas presentes no domingo no parque com a família? Apesar de não nos darmos conta, vivemos redes de conversações distintas que geram emocionares distintos e é exatamente isso que chamaremos de cultura.
E o que viria a ser uma Cultura de Coaching?
Entendemos que uma Cultura de Coaching seria aquela que partiria da possibilidade da compreensão dos tipos de conversações da organização para que, através da linguagem, seja possível criar e sustentar espaços de convivência entre diferentes e suas diferenças, permitir que novos caminhos e melhores relações se consolidem no tempo.
Fernando Flores, doutor na Universidade de Berkeley e proponente da Ontologia da Linguagem, afirma que ao conversarmos, principalmente nas organizações, assumimos compromissos para ações futuras. A Ontologia da Linguagem preocupa-se com o significado da visão de mundo dos indivíduos. Para isso, investe na compreensão da forma como este se apropria do mundo, de seu modo de ser e de estar no mundo. Esse “modo de ser” é fruto da interação dinâmica entre a linguagem, as emoções e a fisiologia. Essa interação dinâmica dá origem ao que sentimos e ao nosso comportamento, ou seja, ao que dizemos, ao que fazemos e aos nossos juízos do mundo e de nós mesmos. A partir dessa visão, a linguagem não é vista somente como descritiva dos fenômenos da realidade, mas também como geradora de realidade e promotora de percepções individuais.
Uma Cultura de Coaching, portanto, se alicerçaria na linguagem e proporia investigações mais profundas sobre a forma que temos nos comunicado, questionando-nos sobre as formas como temos expressado nossas ideias e nossos desejos. Como temos feito declarações, asserções, apreciações, solicitações, propostas ou promessas? Nossos atos linguísticos têm sido eficientes ou é possível mudar a linguagem para obter resultados mais satisfatórios?
Sabemos que as organizações necessitam de profissionais que coordenem suas ações a partir de um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que proporcionem a estas o resultado desejado. Para que esse objetivo seja atingido, treinam seus colaboradores para o desenvolvimento de competências técnicas e comportamentais, sendo que as últimas normalmente estão intimamente ligadas ao desenvolvimento de competências relacionais.
Se voltarmos nosso olhar para desenvolvimento de competências relacionais, percebemos que as organizações elaboram planos de ação que incluem programas de treinamento e desenvolvimento abordando uma vasta extensão de temas, que são escolhidos mediante interpretação dos gestores sobre as necessidades de suas equipes, que costumeiramente são inferidas de alguns relatórios utilizados pelas organizações, como, por exemplo, a pesquisa de clima organizacional. Dos temas mais solicitados, podemos exemplificar a liderança, motivação, comunicação, produtividade, trabalho em equipe, feedback, entre outros.
Esses treinamentos tem a intenção de gerar uma aprendizagem que culmine no desenvolvimento de uma competência distintiva da organização, que possa ser reconhecida como diferenciadora e que conceda vantagens em seu operar.
Essas mesmas organizações tem grandes preocupações com estratégias que garantam sua sobrevivência. Possuem recursos financeiros limitados e escassos para investimentos na capacitação humana e, além disso, o fator tempo nunca pode ser deixado de lado, pois a exigência de que mais capacidades sejam adquiridas num período menor de tempo tem sido uma constante para os profissionais que trabalham com pessoas de forma geral.
Imaginemos agora uma empresa que adote uma Cultura de Coaching, na qual as redes de conversações possam sustentar a aprendizagem, a responsabilidade de cada indivíduo sobre si próprio e sobre sua participação no todo, bem como a consciência sobre o que realmente importa, estando à serviço da facilitação do fluxo da comunicação genuína, trazendo clareza aos pontos que precisem de atenção. Quais benefícios essa empresa teria?
Exemplificando com uma situação cotidiana, na qual um diretor escuta que um de seus pares executou uma ação que, em sua interpretação, foi um tremendo equívoco. Numa Cultura de Coaching, por tratar-se de um processo baseado em perguntas, em que há curiosidade genuína sobre os processos interpretativos, lógicos e emocionais que levam uma pessoa a agir como age, ao invés de uma abordagem acusatória, a partir de uma estória preconcebida e provavelmente cheia de falhas, julgamentos e opiniões, esse primeiro diretor poderia abrir o diálogo com uma pergunta como “que motivos levaram meu par a agir da forma como agiu?”, ou seja, uma aproximação a partir da curiosidade, da percepção do outro como verdadeiro outro, de uma realidade provavelmente muito diferente da sua. Certamente esse primeiro diretor ouviria um relato único, minúcias, desdobramentos e detalhes, e não uma reação indignada de alguém que esteja sentindo-se atacado.
Se pudermos nos perceber como seres complexos, reconhecendo nossa descontinuidade e nossa contradição, é possível evitar os julgamentos apressados, as reações instantâneas, automáticas, lineares e limitantes, que buscam contradizer, culpabilizar e agredir nosso interlocutor sem ao menos tentar compreender o que ele diz. E quando dizemos “compreender” não se trata de uma compreensão somente lógico-racional, é necessário que ampliemos nossa mirada, que o contexto possa fazer parte da nossa análise, que a emocionalidade que envolve cada gesto e cada palavra possa ser levado em consideração e que as relações estabelecidas participem dessa equação.
Se, como dissemos anteriormente, uma cultura se forma a partir de redes de conversações e nos fazemos membros dela quando participamos de seu tipo específico de conversação, que se transforma contínua e consensualmente, adquirimos nossa identidade individual nessa cultura, aprendemos a viver o fluxo emocional dessa nossa cultura, somos moldados e participamos de sua construção, daí a importância de estarmos constantemente no exercício de lembrar a emocionalidade predominantemente presente nela. Essa emocionalidade pode ser de colaboração ou de competição, de afeto ou de medo, de vitimização ou de protagonismo, de parceria ou dominação, entre outras.
Não podemos pensar em uma Cultura de Coaching sem pensarmos no desenvolvimento das pessoas que deve, além de estar à serviço das organizações, também estar à serviço de todos os envolvidos no processo, para que seja efetivo e sustentável, pois o contrário seria estreitar e limitar a visão da organização como um todo. Apesar de muitas vezes as soluções nos parecerem óbvias, na maioria das vezes, elas são óbvias intelectualmente e muito difíceis de serem colocadas em prática, o que pode parecer uma contradição.
Ao usarmos o poder das perguntas como linha mestra no planejamento das ações corporativas, damos a possibilidade de encadear aprendizados numa espiral que nos leva à profundidade, pois possibilitamos a reflexão sem a “resposta pronta”, sendo esta recursivamente conectada ao sentido e ao significado do que estamos fazendo, de nossa práxis.
É possível com a opção pela Cultura de Coaching obtermos os benefícios da prática contínua, além de podermos esclarecer dúvidas à qualquer momento. Não precisamos esperar pelo “momento certo” e nem desistirmos da questão, porque o momento já passou. Sempre é tempo de um novo questionamento!
As perguntas exploratórias, curiosas e verdadeiramente interessadas, fazem o papel de um elo que impede que os conteúdos se percam ou se dispersem pelo excesso e podem ser o suporte para a geração do sentido, de sabermos o porquê de estarmos fazendo o que estamos fazendo e como esse fazer se encaixa no todo, ampliando a visão de cada um sobre o sistema do qual faz parte.
Nesse texto, podemos apenas hipotetizar alguns benefícios da implantação de uma Cultura de Coaching, porque cada sistema responderia à sua maneira, mas, de qualquer forma, os cenários que se descortinam nos parecem bastante motivadores.